Se alguém diz que “é especialista em Content Design”, o que esse profissional faz exatamente? Dá para dizer que são as mesmas atribuições de quem atua com UX Writing? Ou Content Strategy? Aliás, quem lida com Content Strategy não produz conteúdo? Dedica-se ao estratégico? Isso quer dizer que o time de UX Writer é tático?

Se sim, quem faz Content Design é o quê? Em que esses termos são diferentes de algo que já existe há mais tempo, como Arquitetura da Informação, por exemplo? Será que os responsáveis pelas descrições de cargos no LinkedIn estão preocupados com essas coisas?

A resposta você já sabe. Por um lado, as empresas já entenderam que conteúdo é parte indispensável em todas as cinco camadas da experiência – aquelas apresentadas pelo Jesse James Garrett no distante 2002.

Ao mesmo tempo, costuma-se dizer que a velocidade do mercado altera nossas práticas o tempo todo. “Como são conceitos moldados no dia a dia, o que importa é a percepção de quem vivencia uma área viva”.

Em outras palavras: tanto faz a definição. Nem todo mundo quer saber o que isso realmente quer dizer desde que isso resolva meu problema agora. 

Vamos dar o nome correto para as coisas.

Como definimos uma palavra ou expressão que só faz sentido dentro de seu próprio contexto (um grupo, uma comunidade ou uma empresa) e que corre o risco de se perder com o tempo? Como não existe uma única palavra pra isso em português, vamos usar outra: buzzword.

Quem nunca embarcou na gostosa canoa das buzzwords? Elas são ótimas quando se deseja lançar um produto ou serviço ou simplesmente dar nome a um cargo na sua organização. Já vi, por exemplo, propostas como “product writer” – afinal de contas, já que todo mundo se confunde com outros termos, por que esse não pode pegar também?

O problema é que uma buzzword é péssima para estruturar um processo consistente, diante dos problemas que elas pretendem resolver. Ela se torna uma palavra arbitrária, escolhida sem critério (põe “tech content designer de produto digital 2.0 no meu cargo aí”). Torna-se uma saída simplista, enfraquecendo uma ideia que poderia ir longe mas que fica refém do hype.

Todo estudante, em qualquer graduação, já enfrentou o desafio de escrever um artigo tendo como base o que um conceito quer dizer, da forma mais clara possível, levando em conta o que um campo de estudo compreende. Elas são fundamentais para evitar ambiguidades e aproximar interessados em seguir desenvolvendo o tema. Longe de ser precisa, mas é útil para evitar ambiguidades.

Depois desse sermão, lanço o desafio.

Como podemos definir Content Design?

Nos primórdios da Web, a expressão “content designer” era atribuída a quem utilizava recursos de HTML e CSS para apresentar conteúdo da forma mais acessível a partir de alguns pilares: arquitetura, interface e a relação destas tecnologias com a sociedade. O ano era 1997. Mesmo período em que a pergunta do momento era: como escrever bem para a Web. Os testes de usabilidade de Jakob Nielsen que cunharam o padrão F e cravaram que o leitor “escaneia” a página vem dessa época.

Vinte anos mais tarde, a relação entre “content” e “design” estava mais próxima. O valor do texto no processo de desenvolvimento de produtos já era percebido por John Maeda, além de ter sido apresentado como algo que faz diferença durante a conferência Google I/O daquele ano. A palestra foi conduzida por um trio de… UX Writers.

Ainda que o termo “content design” tenha sido redefinido e usado como sinônimo de “produção de texto para interfaces”, Sarah Richards trabalhava na reformulação dos sites do governo do Reino Unido como chefe da UK Government Digital Service (GDS). Até que percebeu, diante de conteúdos fragmentados e desconectados às necessidades do público,  a necessidade de amarrar essas pontas.

Foi com essa linha de raciocínio que Sarah Richards (agora Sarah Winters) desenvolveu uma estrutura de trabalho e a definiu como Content Design. Além de apresentar a espinha dorsal de seu framework em livro, fundou uma agência para dar força ao seu método: a Content Design London.

Charlley Luz, que também se debruça na relação entre as palavras e as coisas, entende que conceitos consagrados há décadas, como arquitetura da informação e produção de texto para páginas web, coexistem com a escrita para interfaces (UX Writing). Os três integram o Content Design de uma forma sistêmica.

Com base nas premissas de Sarah Winters, é possível rabiscar uma definição. Content Design é uma abordagem apoiada em dados e evidências, coletados por meio de ferramentas de design, para resolver problemas do usuário por meio de conteúdo.

Tem em seu passo a passo as seguintes etapas, num processo iterativo e cíclico.

  • Escopo. Definição das fronteiras do que será criado, atendendo aos objetivos do usuário sem perder de vista a cultura do negócio.
  • Estratégia. Orienta a criação (com qual tom, com que vocabulário), distribuição (quais canais) e manutenção do conteúdo.
  • Arquitetura. Diz respeito a lógica e facilidade de navegação por meio de estruturação e organização.
  • Produção e distribuição. Criação e publicação efetiva das peças informativas, seguindo um calendário pré-definido.
  • Análise. Mensurar a eficácia do conteúdo criado por meio de métricas relacionadas aos objetivos definidos no escopo.

Evidentemente, essa linha de raciocínio não está escrita na pedra: mesmo esse processo de trabalho pode ser adaptado e modificado dentro de cada contexto. Indo além: há uma boa chance de profissionais que se apresentam como “copywriters” ou “uxers” seguem à risca um modelo parecido – mesmo sem nunca ter definido isso como “Content Design”.

Mesmo sendo um rascunho da versão beta, é importante explicar o que é e ir além da buzzword. Fazer a lição de casa dá trabalho. Mas nem toda canoa tem bote salva-vidas.